UMA MÃE DESESPERADA

Publico o relato de uma mãe de Porto Alegre, que não consegue acolhimento adequado na rede pública de saúde para a filha dependente química.

Logo abaixo, compartilho um texto sobre esse pedido de socorro ue pedi à psicóloga Maria Alzira Pimenta Grassi, que atuou por 22 anos nessa área.

Os dois relatos nos transmitem tristeza, dor, desalento e a certeza de que a área está abandonada.

Esse é o depoimento da mãe, que não terá o nome revelado:

“Dependente químico não tem chance nenhuma de recuperação em Porto Alegre. Somos, como familiares, codependentes de um Estado que não liga para o ser humano. Porque não há vagas no setor público para a internação de dependentes, e o governo não terceiriza os serviços com vagas em clínicas particulares.

Já passei 12 horas com minha filha dentro de uma UPA lotada.
Antes, o SUS internava por 21 dias, mas que não serviam para nada, e hoje nem isso há. Qualquer médico examina e, se estiver melhor, libera.

O que dizem aos familiares é que a internada, quando é internada, está melhor e está de alta. E não adianta argumentar que se sair dali vai voltar a consumir drogas.

Tu vês um parente teu se matando por uso de drogas, e não estou falando só em crack ou cocaína, álcool é o mais perigoso e liberado, e nada podemos fazer a não ser pedir que não seja morto ou preso.

O dependente químico acaba com a vida dele e dos familiares que se transformam em seus reféns. O SUS não fornece determinados medicamentos e assim poucos conseguem cumprir o tratamento.

Já mantive contatos com deputados e com a defensoria pública. Há fui buscar minha filha em coma na rua, fora do ar. Chegou a ser socorrida, mas, como já estava falando, deram alta.

Não existe acolhimento para dependentes químicos femininos. Não existe hospitalização. O único hospital que tinha foi fechado. Se uma pessoa entra em crise e ou está rua desacordada, como aconteceu com a minha filha, é levada pelo Samu para um posto qualquer, é atendida no IAPI ou no Postão da Cruzeiro, que não tem condições. Resta ao paciente ficar sentado porque não tem nem maca, nem um lugar para deitar. O médico chega, examina e um dia depois já libera.

Eu já não sei o que fazer. Por que não enviam os dependentes para um outro hospital de fora de Porto Alegre? Para uma clínica fora de Porto Alegre. Aqui, fecharam o Hospital Santa Ana. No Caps (Centros de Atenção Psicossocial), não internam, entram pela manhã e saem à tarde.

Que cumpram pelo menos o que determina a lei, que também é falha, porque são só três meses de internação. O correto em qualquer país do mundo é um ano.

É o que está acontecendo aqui em Porto Alegre. O que fizeram com a saúde de Porto Alegre? O que fizeram com os serviços do Estado? É tudo lotado. Eu fotografei, eu filmei.

Eu tenho tudo aqui. É horrível o tratamento que dão aos dependentes químicos e também aos seus familiares.

É inimaginável como uma cidade como Porto Alegre não tenha atendimento para dependentes químicos”.

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Abaixo, o depoimento da psicóloga Maria Alzira Pimenta Grassi, que trabalhou por 22 anos no Plantão de Emergência de Saúde Mental do Pronto Atendimento Cruzeiro do Sul. Comentei com Maria Alzira o caso narrado acima e a psicóloga se dispôs a contar o que segue:

“O pedido de ajuda desta mãe pode ser pensado sob vários ângulos. O desmonte da política pública de saúde mental em Porto Alegre é uma situação crônica e aguda ao mesmo tempo. Crônica porque há vários anos vem sendo sucateada com a finalidade estratégica de desgastar a imagem do serviço público como algo que não funciona, portanto “justificaria a terceirização” dos serviços, e aguda porque, para quem sofre, a falta de assistência pode ser fatal.

As referências para tratamento de dependência química pelo SUS em Porto Alegre são os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD) e os Plantões de Emergências em Saúde Mental, para casos que envolvem riscos de vida iminentes (risco de suicídio, risco de homicídio, surtos psicóticos, etc).

Os CAPS ADs atendem com agendas abertas e são regionalizados de acordo com o bairro onde a pessoa mora. Em alguns CAPS níveis III e IV têm leitos de permanência até 14 dias. As emergências são só duas. O Plantão de Emergência em Saúde Mental do PACS (PESM/PACS) para quem mora do Arroio Dilúvio até o extremo sul e o PESM IAPI, que atende até a Zona Norte.
Importante fazer uma avaliação em que ponto está a situação da pessoa em sofrimento e qual o plano terapêutico indicado.

Em alguns casos necessita realmente uma internação para desintoxicar, em outros, o CAPS AD pode dar conta com um acompanhamento sistemático.

A falta de priorização em investimentos na política pública de saúde mental na cidade é muito grave e fere os direitos humanos principalmente de crianças e adolescentes que são atendidos em emergências de adultos.

Muitas vezes ficam dias esperando vaga para internação num contexto inapropriado e adoecedor. As duas emergências de saúde mental não têm psicólogos, sendo que há concurso validado para chamamento. O PESM/PACS esteve à beira de ser terceirizado, mas teve mobilização popular e resistiu. O PESM/IAPI é terceirizado.

Os locais para internação de mulheres realmente são mais restritos do que para os homens. É um caos. Ninguém faz nada. Participei de várias denúncias inclusive ao Ministério Público e há um amortecimento deste tema. Até hoje crianças e adolescentes sofrem violência do Estado nas emergências de saúde mental por serem atendidos no mesmo local que adultos, de modo medieval.

É o calcanhar de Aquiles deste desgoverno e quase não tem visibilidade na mídia sobre este fato. Porto Alegre é a capital com maior índice de depressão do país, e a gestão municipal não toma providências.

Ao contrário, quase todas Unidades de Saúde foram terceirizadas, o que desfavorece a formação de vínculo pela alta rotatividade dos profissionais. O Conselho de Saúde tem fiscalizado e denunciado com muita luta, mas a gestão parece impermeável e vai na contramão com seu plano de sucatear o SUS.

Teria muito a falar sobre a estratégia lucrativa do aumento de internações, a falta de cobertura na Atenção Primária e Secundária de Saúde… sobre a destruição das oito gerências de saúde que se transformaram em quatro coordenadorias de saúde. Quem se beneficia? Mas paro por aqui”.

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