A turma do Merval e o herdeiro do bolsonarismo

A sinceridade para expressar seu sentimento mais profundo é o grande mérito da declaração de Merval Pereira domingo em O Globo. A confissão extravasa uma opinião que pode ser compartilhada com muitos de seus colegas alinhados à direita e à extrema direita.

Segundo o presidente da Academia Brasileira de Letras (não há como dissociá-lo desse cargo), Bolsonaro já tem um candidato forte para 2026, que é Tarcísio de Freitas. E Lula ainda não tem ninguém.

Merval cita o governador de São Paulo e, logo na sequência, para fazer conexão entre Tarcísio e o homem do juro alto, diz que Lula está “tomando o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, como seu adversário ideológico”.

Por que citar Tarcísio e Campos Neto? Porque os dois fazem, como Merval acaba admitindo, parte da mesma jogada. O jornalista exalta o potencial de Tarcísio e põe Campos Neto ao seu lado, para logo adiante depreciar as chances de Fernando Haddad.

Merval imagina que Tarcísio fará um grande governo, sem colocar nenhum empecilho ao seu sucesso, mas diz que Haddad está sob a ameaça de ver a economia empacar. É o que diz no artigo, o que destruiria os eventuais planos do ministro da Fazenda. Leiam o que ele escreve:

“A dificuldade de Lula é que ele não tem substituto na esquerda, e terá que ser candidato de qualquer maneira. A direita tem escolhas a fazer, mas a esquerda não. Os governadores de direita são competitivos, enquanto os líderes da esquerda dependem basicamente de Lula, não têm luz própria. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, poderia (ou poderá) ser esse substituto, mas o presente otimista não parece ser prenúncio de um futuro promissor”.

Esse tipo de declaração é parente de outras que veremos muitas vezes mais adiante, não mais nas entrelinhas, mas com manifestações explícitas de simpatia por Tarcísio.

Merval Pereira é uma das vozes mais potentes de uma turma que manda recados e tenta se aproximar do principal herdeiro do bolsonarismo, enquanto deixa claro que o intermediário dessas senhas é o presidente bolsonarista do Banco Central.

Campos Neto passa a ser o cara de confiança da grande imprensa nessa aproximação. Merval, Gerson Camarotti, JR Guzzo, William Waack, Eliane Cantanhêde, Carlos Alberto Sardenberg, Elio Gaspari, Demétrio Magnoli e outros jornalistas, comentaristas e assemelhados irão se agarrar ao arame farpado da extrema direita para se livrar de Lula.

Não que todos sejam bolsonaristas. Mas introjetaram o antilulismo crônico, fazem concessões a golpistas (e ao mesmo tempo às vezes condenam golpismos) e pertencem, em maioria, à geração que conviveu numa boa com a ditadura, quando não foram colaboracionistas.

O sonho de consumo deles, que falam pelos grandes empresários e pelo que restou da direita engolida pela extrema direita, é o de se jogar nos braços de quem pode finalmente livrá-los de Lula.

Eles se jogarão em quaisquer braços, sem rede de proteção, quando perceberem de novo que não há saída ao centro, porque nem centro existe mais (e nenhum deles é de centro mesmo).

E os braços que se abrem hoje são os de Tarcísio de Freitas. É o que eles e os donos da Globo, da Folha e do Estadão desejam, com a Fiesp, a Febraban, os grileiros e os garimpeiros.

Sonham em se aproximar de Tarcísio, considerando a hipótese de que não haverá outra saída. É preciso ficar bem com o sujeito que mais tem chances de herdar o bolsonarismo, com grande possibilidade, na cabeça deles, de ajustes na conduta.

Terão de vender a alma ao diabo, por baixo preço, sem saber ao certo o que terão de volta. Mas sabem bem que isso significaria passar a conviver de novo com toda a estrutura fascista que Tarcísio herdará de Bolsonaro.

Roberto Campos Neto é, via Luciano Huck e outros mandaletes, o emissário de todos eles e dos seus patrões. As organizações de mídia sabem que Tarcísio pode ser a única opção para que finalmente tirem Lula do jogo.

Os ancestrais desses patrões nas suas organizações fizeram o caminho inverso. Apoiaram a ditadura mas, quando a luta pela democracia passou a ser o melhor produto no mercado, decidiram pedir eleições.

Na redemocratização, aliaram-se, para defender seus negócios, aos que combatiam os militares. Desde 2016 fazem média com o fascismo para que possam sobreviver como negócio, no nicho da extrema direita, e como anti-Lula e antitudo o que Lula representa.

O amplo mercado dos bolsonarismo é o grande nicho de todos eles, dos patrões e dos seus prepostos que abanam as asas para Tarcísio de Freitas e Roberto Campos Neto.
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